quinta-feira, 24 de abril de 2008

A revolta dos mestres caseiros

Ontem foi dia de comemorar, aniversário da Falke, Reinheitsgebot e dia da Cerveja...

Hoje é um novo dia e foi marcado pela notícia publicada no Caderno Paladar do Estadão referente a um trecho em especial no site da Ambev que afirma que as produções artesanais de cerveja geram produtos de qualidade inferior aos industriais.



http://www.ambev.com.br/soc_03.htm


Devido ao fato, as acervas carioca, paulista, mineira e gaúcha, não concordando com tal texto, uniram-se e redigiram uma carta de esclarecimento ao público, a fim de deixar claro que o texto estava em desacordo com a realidade, e que nossas cervejas são muito, mas muito melhores, que algumas de grandes cervejarias, mesmo estas contando com todo aparato tecnológico.

A carta na íntegra:

CARTA DE ESCLARECIMENTO AO PÚBLICO APRECIADOR DE CERVEJA


As ACervAs (Associação de Cervejeiros Artesanais) Carioca, Paulista, Mineira e Gaúcha, entidades criadas por cervejeiros artesanais caseiros, sem fim econômico, que têm por objetivo a difusão da cultura cervejeira no país, vêm, por meio desta, prestar necessários esclarecimentos ao público consumidor de cerveja no Brasil, tendo em vista o texto veiculado pela AMBEV através de seu site, a respeito do que chama de “tentativas de produção doméstica de cerveja”.

O texto, que, dada a distância da realidade, certamente foi elaborado por profissionais alheios ao processo de produção do fermentado, diz o seguinte:

“Por tratar-se de produto elaborado a partir de produtos agrícolas, em tese, pode-se produzir cerveja de forma doméstica. A dificuldade para isso reside em conseguir equipamentos em pequena escala que permitam os controles de temperatura necessários ao processo, bem como equipamentos de filtração e manipulação do líquido em pequenos volumes que sejam estanques ao oxigênio (o oxigênio é o grande inimigo natural da cerveja, sendo responsável pela perda do frescor e deterioração do sabor do produto). Por essas razões, as tentativas de produção doméstica de cerveja até hoje proporcionaram um produto de qualidade muito inferior ao produzido pelas grandes indústrias.”

Certos de que, ao contrário de estabelecer concorrência à grande multinacional da cerveja, nossa missão difusora da cultura cervejeira é um forte fomentador do mercado de cervejas especiais, abrindo novos nichos a serem explorados, inclusive, – esperamos – pela própria AMBEV, nosso objetivo aqui é, como dito acima, prestar esclarecimentos ao público, sem, entretanto, deixarmos de nos contrapor com energia à equivocada informação contida no texto, uma vez que não corresponde à verdade a afirmativa de que não é possível produzir cerveja de qualidade em casa.

Como sabemos, a história da cerveja se confunde com a da humanidade, havendo registros de sua existência há mais de 6000 anos, durante os quais criou-se uma infinidade de estilos da bebida. A cerveja sempre foi uma bebida popular, acessível a quem se dispusesse a fazer em casa ou degustar os produtos elaborados em pequenas cervejarias. Seria mesmo de se estranhar que alguém pretendesse industrializar um produto de má qualidade. O desafio da industrialização é sempre o de produzir em larga escala com qualidade idêntica à do produto artesanal.

É verdade que o processo industrial, voltado para a produção em larguíssima escala, experimentou avanços tecnológicos impressionantes e indiscutíveis, permitindo-se a elaboração de milhares de hectolitros do produto, com qualidade semelhante ao do que se obtém a partir do extremamente cuidadoso processo artesanal. Entretanto, cervejas que surgiram na Idade Média estão aí até hoje, com qualidade indiscutível !

O mérito da industrialização com certeza não está num produto final com qualidade superior, mas na capacidade de produção em larga escala de um produto que, mesmo submetido a precários meios de transporte, temperaturas absolutamente inadequadas, incidência de luz e outros tantos promotores de oxidação, percorrendo longas distâncias, ainda chega ao copo do consumidor em condições de ser apreciado. A cerveja artesanal caseira, além de todo o cuidado e dedicação exclusiva do cervejeiro, ainda tem a vantagem imensa de não precisar ser à prova de tantos obstáculos, pois é consumida onde nasce: em casa. E sem aditivos ou conservantes químicos, que dispensa.

O texto confunde a evolução da produção industrial (cujo mérito reside no aspecto quantitativo) com a evolução da qualidade propriamente dita da cerveja. Todo e qualquer apreciador de cerveja percebe que a cada dia a qualidade das cervejas que consome vem decaindo, mesmo com todos os avanços tecnológicos obtidos e utilizados pelas grandes cervejarias, o que causa perplexidade. Quem não tem saudade da antiga Bohemia, da antiga Antarctica, ou de outras tantas, que, submetidas a uma produção cada vez maior, hoje em dia não são mais as mesmas?

Para a sorte da cerveja e de sua cultura, entretanto, na Europa e Estados Unidos, onde primeiro surgiram os grandes conglomerados industriais cervejeiros, há mais de 30 anos, iniciou-se o movimento denominado por The Craft Beer Renaissance (“O Renascimento da Cerveja Artesanal”), que culminou com o resgate de estilos de cervejas há muito esquecidos, como barley wine, rauchbier, doppelbock, porter, pale ale, entre outros, por exemplo. Assim, teve início o resgate da qualidade da cerveja e valorização de quem a faz, o cervejeiro, e com difusão livre de conhecimentos e experiências. Hoje, apenas nos Estados Unidos, conta-se com mais de 30 mil cervejeiros caseiros e quase 2 mil microcervejarias, que quebrando diversos paradigmas como o da cerveja “estupidamente gelada”, vêm impressionando o mundo, as grandes cervejarias, seus mestres-cervejeiros e os consumidores com a qualidade das suas cervejas, ensinando corretamente os consumidores sobre como apreciar e o que esperar de cada estilo de cerveja.

Com pequeno atraso, este movimento chegou no Brasil. Apesar da produção de cerveja caseira no país já existir faz muito tempo, somente em 2005 começamos a nos encontrar e organizar grupos estaduais para alimentar essa paixão. De lá pra cá, o grupo cresceu bastante e ganhou espaço na sociedade. Foram muitos cursos, encontros e grandes concursos, que contribuíram para sermos convidados a participar da última Brasil Brau, edição 2007, a maior feira de Tecnologia em Bebidas da América Latina, reunindo produtores de equipamentos para indústria cervejeira, maltarias e diversas cervejarias. Vale consignar que o estande da ACervA Carioca foi um dos mais procurados durante os três dias da feira, e que apenas nós servimos maior número de estilos de cervejas que todas as outras cervejarias presentes no evento juntas. Foram mais de 30 estilos de cerveja diferentes que fizeram enorme sucesso entre os presentes, muitos deles renomados mestres cervejeiros, donos de bares e estudiosos sobre cerveja.

Por fim, certos da qualidade de nossas cervejas, que vêm conquistando a todos que gostam da bebida, e inclusive vêm sendo produzidas por algumas microcervejarias, certos de que a inverdade publicada no site da AMBEV seja movida por ignorância apenas, convidamos os senhores diretores da citada empresa, comerciais, de marketing ou de qualquer outro setor, além dos mestres cervejeiros que já conhecem a qualidade das nossas cervejas, a virem conosco degustar maravilhosas cervejas caseiras, em local e data a serem definidos pela convidada, e após retificarem o equívoco contido no texto ora questionado.

Saúde !


A AMBEV respondeu através do mestre-cervejeiro Wilson Fornazier com a seguinte carta:

A AmBev reconhece a evolução e a qualidade das cervejas caseiras produzidas por vários membros da Associação de Cervejeiros Artesanais (ACervAs). É notável o avanço conquistado ao longo dos últimos anos e que tem permitido obter melhorias consistentes na qualidade e na variedade de cervejas produzidas artesanalmente.

A Associação de Cervejeiros Artesanais vem desempenhando um trabalho muito importante de qualidade e compatível com seu papel. Na verdade, consideramos a entidade como uma aliada no trabalho de divulgar, valorizar e fortalecer a cultura cervejeira no Brasil. Talvez o referido texto no site tenha sido interpretado de maneira equivocada, pois o que acreditamos é que existe uma ampla produção artesanal de cerveja no Brasil de alta qualidade.

O que pontuamos é que produtos domésticos, caseiros, feitos com equipamentos rudimentares e por pessoas que não conhecem a técnica acabam resultando em produtos de qualidade inferior na maioria das vezes, o que não é o caso dos produtos feitos artesanalmente pelos associados das Acervas. Já estamos providenciando a revisão do site para que não ocorram mal-entendidos.


Será que vão topar o convite? O site da Ambev ainda contém o trecho O trecho já foi retirado do site.
Aguardem cenas dos próximos capítulos.

Um comentário:

Fabiana Arreguy disse...

É natural que um conglomerado como a Ambev queira defender seus interesses econômicos e o texto publicado no site só demonstra que as grandes indústrias estão incomodadas com a proporção que o movimento cervejeiro artesanal tem tomado no Brasil.Talvez o que realmente a Ambev já perceba( e o que incomoda) é que há cada vez mais pessoas interessadas em experimentar novos sabores, em conhecer os diferentes estilos de cerveja.E em larga escala fica difícil acompanhar essa espécie de movimentação.É mais fácil agradar paladares adormecidos e vender cervejas com mesmo gosto aos borbotões. O que nos alenta é que nem mesmo tentativas assim podem barrar o crescimento da cultura cervejeira no Brasil.E agora é esperar pela aceitação do convite das Acervas, ou não...
Fabiana Arreguy ( da Confraria Feminina da Cerveja- Confece)

 
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